O que se gosta de fazer não enjoa. Não me recordo de um provérbio que mencione exatamente isso, mas não é complicado achar exemplos dessa idéia na prática. É, aliás, quase uma ofensa ao intelecto tentar explicar isso a uma pessoa (como boa parte das formidáveis frases de fundo de garagem inventadas anteontem por dois bêbados que esses chineses malandros nos fazem engolir sob o rótulo de “provérbios milenares”). Não é óbvio o suficiente que se você gosta de algo, não se cansa de fazê-lo?
Era óbvio para mim até 2007. Veja: vídeo games acompanham minha estrada desde o começo. Não é algo que se possa colocar em um curriculum vitae, nem nada que fosse me garantir um posto de destaque na sociedade, mas é algo que nerds tendem a usar como trunfo para se gabar, por mais que estatisticamente 95% deles já tenham nascido perdendo uma vida para um magikoppa, e que isso não sirva para nada, já que as chances de ser ownado pelos 5% restantes não variam. Digo isto em parte por ser meu primeiro post neste blog, como uma apresentação implícita (dessas forçadas, como entre dois personagens amigos de infância que, no começo de um jogo, dizem um para o outro: “Ahw... bom dia, ZEQUINHA DA SILVA, MEU AMIGO DE INFÂNCIA E PESSOA EM QUEM POSSO CONFIAR MINHA VIDA. APESAR DE INTROVERTIDO, POSSUI UM CORAÇÃO DE OURO E UMA DISPOSIÇÃO PARA FAZER O BEM! Você ouviu rugidos vindos da perigosa floresta que tem nos fundos de casa, infestada de abelhas gigantes que misteriosamente nunca saem de lá para atacar nossa pobre vila de 3 casas e um shop?) Mas, principalmente, faço esta apresentação nada breve para iniciar meu tópico do dia (sim, ainda está no começo. Vai apertando o X pra chegar logo nos finalmentes se quiser).
2007. 17 anos de vídeo game (bom... teoricamente eu nem sabia direito o que era isso antes dos 2 anos, mas já coloco 17 anos para enfatizar o tempo). Ocorreu-me algo curioso quando apanhei Zelda Twilight Princess para jogar: não fiquei particularmente atraído. Apesar das críticas (que nem críticas eram, mas propagandas) que o jogo recebera. Apesar das notas 10 nas revistas especializadas em nintendo, com direito a troféus de platina feitos na realidade de tinta azul e branca. Apesar do contracenso em se haver um Zelda que não fosse simplesmente... Zelda. Antes, já vinham alguns jogos respeitáveis, como Mario Party e Dragon Quest, me incomodando. Não que fossem ruins (seria um sacrilégio pensar assim). Mas, de algum modo, não eram como antes. Ou, antes, eram sim. Eram exatamente como antes. Então, por que já não me impactavam?
Com o novo Juicer da Philips Walita você mói carnes, rala queijos, fatia batatas, tritura verduras e... sobe em paredes?!
Essa dúvida começou a me incomodar desde tal época. Com Super Mario Galaxy, tive a certeza: o problema era comigo. Se me diverti, decerto que sim. Mas nem de perto como com SM World, ou SM64, ou SM Sunshine. SMG era um jogo indiscutivelmente bom, mas não do modo como eu esperava. Durante todos esses tempos, oscilei entre culpar à baixa dificuldade dos jogos e a algum não bem explicável estado de recaída nérdica. Ao risco de tornar isto uma confissão, nunca deixei de me interessar por games. A ponto de sacrificar minha visão por dias diante das paisagens indiscritíveis de Okami, ou xingando hunts em Final Fantasy XII, que, mesmo com a party no nível 99 e equipamentos excelentes, arruinavam meus guerreiros másculos e viris + Vaan. Como todo nerd há de compreender. Ainda assim, me sentia mal por não ser capaz de pular em um pé só feito um flamingo dopado frente jogos como Resident Evil 5, Gran Turismo 4, Call of Duty Modern Warfare e etc. tal como quando jogava suas versões anteriores de Playstation e afins. Eu, que nunca me apeguei particularmente a saudosismos, que pulei de alegria quando vi os primeiros gráficos de Zelda Wind Waker enquanto muitos dobravam os narizes, e que nunca tive pretensões de fechar Zero Wing em japonês só porque a versão em inglês é um jogo de comédia histórico (e só o fiz porque me foi dada a chance por uma namorada minha chamada internet).
Preto, Branco e Vermelho
Cortando uma longa história (e um post que já está igualmente longo), crescia meu medo de estarem concretizando-se previsões hereges, de que eu estaria “amadurecendo e deixando coisas de criança de lado”, dessas ouvidas por todos os bravos que dedicam uma vida (ou duas, ou dez, ou quantas forem precisas) a salvar princesas e repelir alienígenas. Algo como uma crise da meia-idade, voltada justo a algo que me é tão caro: jogar vídeo game. Talvez provocada por um cansaço de estar fazendo aquilo a tanto tempo.
Essa foi precisamente a resposta que eu encontrei. Eu estava fazendo a mesma coisa havia tempo demais. Mas a “coisa” a que me refiro não era jogar vídeo game. Era salvar a princesa. Confuso? Eu explico. Não eram todos os jogos que me davam ânsia. Para ser mais exato, games como Baten Kaitos, Time Hollow e outros onde o que mais me chamava a atenção era a história criativa nunca saíram da minha lista de favoritos. Tampouco games onde o foco era o grau de inovação, em plot ou em qualquer outro detalhe, como No More Heroes, Little Big Planet, Shadow of the Colossus, Bioshock, Heavy Rain, Siren, God of War, Mirror's Edge, Beyond Good and Evil e tantos mais, para citar apenas uns poucos exemplos recentes (e uns nem tão recentes assim...). Jogos multiplayer também costumavam não me cansar rápido, já que sempre algo novo ocorria. Eram apenas alguns jogos que geravam aquela sensação de fastio, por vezes até mesmo de estar perdendo tempo. Jogos muito bons, por sinal, e quase sempre renomados.
Jade é um exemplo de que jornalistas podem dar certo na carreira em que escolheram: cobrindo invasões de aliens e assaltos de dragões, ficou renomada no mercado. Pena que seu sonho era ser jornalista esportivo...
Pois um dia, estava eu pensando em jornais. Sim, um desses pensamentos aleatórios, absolutamente sem conexão com vídeo games. (a razão: estudo jornalismo). Estava pensando por que o modelo dos jornais mais antigos e conceituados me apetecia tão pouco. Não adiantava a Folha mudar sua diagramação, o Estadão aparecer com cavalinhos sob o nome da gazeta e vir dizendo que foi a maior revolução desde que “Graham Bell inventou a imprensa” (sim, eu já tive de escutar isso uma vez de uma fonte que prefiro deixar no anonimato). A impressão era a mesma de estar lendo um exemplar do The New York Times da época dos gangsters. Algo me incomodava com aquilo que meus professores chamam de “identidade do jornal”. Eu entendo que se de um dia para o outro o logo do Le Monde aparecesse de pé na direita da capa e com uma foto de página cheia holográfica que nem as que vinham nos Tazos especiais dos Looney Tunes nos idos de sei lá que ano, isso assustaria seu leitor. Mas eu me perguntava até que ponto isso os afugentaria e arremessaria o veículo no caos como boa parte dos jornalistas da linha dura e parte dos da sorbonne bradam aos quatro ventos. Quer dizer, jornais impressos já não estão perdendo leitores ano após ano? Isso não prova que há algo errado? Colocar um cavalinho debaixo do logo do Estadão e melhorar discretamente o feng shui da disposição das notícias na página vai fazer o leitor olhar para o jornal e dizer “Ah, espere aí! Agora tem um cavalinho aí! Ah, isso faz toda a diferença. Vou levar dois, um pra mim além do pro cachorro como é de praxe”. Não, sério? Se as pessoas já enjoaram do modo como os jornais são apresentados mais ou menos do mesmo modo desde que eram trazidos nas caravelas para a corte portuguesa no Brasil, preto no branco e vermelho para os destaques, talvez não seja o caso de essas modificações se preocuparem um pouco menos em “manter a identidade” do jornal e um pouco mais em reobter os leitores que o deixaram? Revistas novas de games também vinham desbancando algumas outras, mais velhas e mais conhecidas. Isso sim era o caos.
Preto e branco, dita a mistura de cores que melhor evoca o passado. Filmes em preto e branco, páginas de jornais em preto e branco. Um dia, contudo, algo me atingiu como um pneu me imobilizando, seguido de uma adaga, uma motosserra, um poste me empalando, um segundo corpo empalado no poste e um trem coberto de espinhos em alta velocidade. Tudo isso em preto e branco. E vermelho.
E há quem dizia que a ROTA fazia um bom trabalho limpando as ruas da cidade...
Mad World me fez recordar aquele pensamento sobre jornais renomados. Mais que isso, me fez recordar como era doce ganhar pontos às custas da vida de inimigos. Um jogo em preto e branco foi a coisa mais revolucionária que eu me lembrava em termos gráficos desde Okami (sim, há muitos jogos bonitos nesse ínterim, mas nada chocante como um jogo em PB apenas com sangue em vermelho). E me fez recordar a questão de meu aparente enjoo com games como Guitar Hero um ziblhão (que já está ultrapassado, porque já foram lançados 13 Guitar Heroes novos desde ontem), Zelda Twilight Princess (que apesar de possuir a alteração como lobo, sem dúvida o ponto alto do jogo e comparável em diversão a pilotar o barco de Wind Waker pela primeira vez, consegue imitar tão bem a sensação de se jogar Ocarina of Time no resto do tempo que se torna um grande Déjà Vu), Super Mario Galaxy (fantástico nos momentos em que a gravidade o faz andar de ponta cabeça em planetóides, mas nem tão inspirado nas fases mais tradicionais), Halo 3 (“cara, eu já não tinha te matado no jogo anterior. E no antes dele também? Ah, bem, aqui vai mais plasma derretido então...”), Tony Hawk Qualquer Um Depois de American Wasteland (Ollie, kickflip, manual, The 900, fechou), etc.
Como eu disse, nenhum jogo ruim, muito pelo contrário. Difíceis de serem criticados, exceto por um quesito: inovação. Convenhamos que brincar com a gravidade e virar lobo são coisas animais, que valem o jogo por si sós. Mas a sensação de que você já viu todo o resto começa a perturbar. Do mesmo modo que o Estadão está muito, mas muito longe de ser um jornal ruim. Não se pode criticar o conteúdo daquilo que já se tem tanta tradição, tanto do jornal quanto dos jogos citados, para merecer tantas continuações. Se Final Fantasy tem 13 jogos apenas na série principal, há algum motivo. Porque as pessoas gostam. O mesmo com Mario e Zelda, Guitar Hero e todos os supracitados. Eles têm tradição.
Mas Mad World me fez repensar sobre essa tradição. Twilight Princess me pareceu um largo passo adiante (com o lobo) e uma série de passos atrás do que havia sido construído com Wind Waker. Na esperança de remeter a Ocarina of Time, a Nintendo manteve os clichês que todo fã de Zelda espera ver na série, dos personagens à trama e à trilha sonora. Mas, afora o Link-Lobo e Twilight, muito citada mas nem tanto visitada quanto se gostaria, onde estiveram as surpresas? Pescaria, cavalo, Ganondorf, arco e flecha, Templo da Água e do Fogo... Esses elementos caracterizam Zelda como a diagramação caracteriza o Estado de S. Paulo. Mas mantê-los todos é mesmo necessário? Em Wind Waker não havia Epona, nem fadinha, nem “gráficos de Zelda”... droga, quase nem havia Hyrule! E era um Zelda, e dos bons! Majora’s Mask também não tinha Hyrule, nem o sentido habitual de “posso ficar vagabundeando a esmo pelo tempo que eu quiser”, nem Ganondorf, nem Master Sword, nem Zelda (bom... até tinha... mas... ah...), com Link-Zora e Link-Goron e Link-Arbusto-Rodopiante. E era um tremendo de um Zelda. O que define a série talvez seja o modo como consegue ligar por meio de um personagem em comum tantas novidades. É o mesmo com tudo o que é tradicional: deve evoluir, se modificar constantemente, para não se tornar “mais do mesmo” e deixar de existir. Verdade seja dita, Twilight Princess chega a ser bem revolucionário em alguns pontos. Mas ao lado de tantos jogos absurdamente inventivos, na época em que o Wii estava em seu início, acabou se parecendo mais “padrão” do que deveria. O mesmo para todas as seqüências, que precisam zelar pelo estilo da série sem se repetirem (coisa que eventualmente acaba acontecendo).
Isso, reclama mesmo da vertigem que você sentia jogando Ico. Vai, reclama!
Qual a solução disso? Parar de produzir o Estadão e abandonar Mario e Zelda? Não, definitivamente. Muitos hão de discordar, mas para mim a solução é arriscar mais. Sim, claro que, por exemplo, Final Fantasy XII foi um passo adiante na série em vários aspectos, mas tinha potencial para ter ido muito mais além. Como, digamos, tendo colocado Basch, o capitão maduro, no lugar principal da história, como foi até um terço da produção do jogo, em vez de Vaan, órfão de coletinho duvidoso e personalidade forte como um Moggle em estado vegetativo coberto de debuffs. A opção por não se desvincular demais do protótipo de Main Char rostinho bonito da série, nesse caso, não chegou a causar um problema, porque o sistema de batalhas diferente, o mundo e outros aspectos compensaram os tradicionalismos da Square Enix com relação à trama. Mas há desgastes que já se tornam aparentes nas fórmulas de séries mais clássicas e mesmo de gêneros, alguns enveredando por tantos lugares-comuns e games genéricos que causam ânsia de vômito (*cough* 95% dos FPS *cough*).
Não, isso não se trata de “síndrome do Veterano”, que já está cansado de tanto ver guerra. É mais como uma constatação: nada é eterno (outro “provérbio milenar chinês” estrategicamente posicionado). Quem não oferece novidades, termina. É o que se vê com o desespero da Sony em copiar o Wii-mote (mas conquanto gere jogos divertidos, não reclamo), e com o Project Natal da Microsoft. Podemos – e devemos – esperar uma constante renovação das séries, para que possam oferecer sempre novidades de fazer frente com os criativos jogos novos que surgem, e que também viram franquias, e que também devem procurar evoluir para enfrentar a nova concorrência, e assim por diante. Que Hyrule entre agora na Era Industrial (como havia rumores anteriores à Twilight Princess) ou na espacial, e que Ivalice seja engolida pela Twilight, e que Mad World 2 encontre alguma forma de manter seu brilho monocolor. Mais do que tradições, gamers (e não “istas”, de nintendistas, sonistas, microsofistas e puristas. Digo gamers de verdade, que gostem de games, não de marcas) buscam novas formas de se surpreender. E a quebra de paradigmas é uma surpresa por si só. Exemplos de franquias que um dia foram consideradas eternas e que hoje estão capengando, como Sonic e Mortal Kombat, é um exemplo de que as areias do tempo não poupa os que ficam parados. E falando em areias do tempo, Prince of Pérsia é um raro exemplo de uma série que, nos últimos tempos, buscou se reconstruir. E ninguém reclamou. Pelo contrário. Até que ponto cada série pode ir sem perder sua “identidade” é discutível, e que tais mudanças devem ser feitas com competência, ninguém duvida – Sonic muito menos. Clássicos são sempre clássicos, mas águas passadas não movem moinhos (hoje eu estou mais “provérbico” que de costume...).
E se há novas séries dando novas experiências aos jogadores, não adianta as velhas ficarem insistindo no que já é certo e seguro. As empresas de games teriam bastante a aprender com o declínio dos jornais impressos. Uma série que perde sua identidade normalmente tem outras chances para reconquistá-la (Sonic, novamente ele, tem dez chances ao ano e desperdiça todas, mas ninguém deixa de acreditar que um dia ele há de se emendar. Bem... quase ninguém). O único erro imperdoável nos games é o da insistência no que não dá resultados. Não poucas séries, de diferentes gêneros, perderam muito espaço por bater nas mesmas teclas gastas, de Driver a Kirby, e outras começam a dar sinais de desgaste de fórmula, como Need for Speed e Pokémon. Sem querer ser chato, mas não há fórmula que resista para sempre a tantas continuações tão parecidas. A Nintendo já percebeu isso, e está lançando variações, de Pokémon Rancher às de mystery dungeon e além. O que é um bom sinal, pois mostra que a companhia está atenta. Infelizmente, o adjetivo "bom" não pode ser aplicado com tanta facilidade aos produtos alternativos (vai, para sermos justos: para o público-alvo dos mystery dungeon de Pokémon, o jogo chega a ser bem divertido, apesar de repetitivo. Mas quem disse que a série Pokémon não é repetitiva, capture uns bichos, ganhe uma insígnia, bata nuns caras, capture mais bichos... e gostamos dela do mesmo jeito). Se isso vai, a longo prazo, conseguir manter a franquia, porém, só pagando pra ver.
1,2,3...POOF. Seu rato cabeçudo roxo morreu por falta de atendimento na fila do SUS.